“QUANDO AS SOMBRAS AMEAÇAM O CAMINHO, A LUZ É MAIS PRECIOSA E MAIS PURA."

(Espírito Emmanuel, in "Paulo e Estêvão", romance por ele ditado a Chico Xavier)

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domingo, 27 de junho de 2010

OS MENINOS FEITICEIROS DO CALANGO-FRITO


SÃO MARCOS

Naquele tempo eu morava no Calango-frito e não acreditava em feiticeiros.

(...)

Bem... Bem que Sa Nhá Rita Preta cozinheira não cansava de me dizer:
– Se o senhor não aceita, é rei no seu; mas, abusar, não deve-de!

E eu abusava, todos os domingos, porque, para ir domingar no mato das Três Águas, o melhor atalho renteava o terreirinho de frente da cafua do Mangolô, de que eu zombava já por prática. Com isso eu me crescia, mas mandando, e o prêto até que se ria, acho que achando mesmo graça em mim.

Para escarmento, o melhor caso-exemplo de Sa Nhá Rita Preta minha criada era êste: “...e a lavadeira então veio entrando, para ajuntar a roupa suja. De repente, deu um grito horrorendo e caiu sentada no chão, garrada com as duas mãos no pé (lá dela!)... A gente acudiu, mas não viu nada: não era topada, nem estrepe, nem sapecado de tatarana, nem ferroada de marimbondo, nem bicho-de-pé apostemado, nem mijacão, nem coisa de se ver...

Não tinha cissura nenhuma, mas a mulher não parava de gritar, e... qu’é de remédio? Nem angu quente, nem fomentação, nem bálsamo, nem emplastro de fôlha de fumo com azeite-doce, nem arnica, nem alcanfor!...

Aí, ela se alembrou de desfeita que tinha feito para a Cesária velha, e mandou um portador às pressas, pra pedir perdão. Pois foi o tempo do embaixador chegar lá, para a dor sarar, assim de vôo... Porque a Cesária tornou a tirar fora a agulha do pé do calunga de cêra, que tinha feito, aos pouquinhos, em sete voltas de meia-noite: “Estou fazendo fulana!... Estou fazendo fulana!...”, e depois, com a agulha: Estou espetando fulana!... Estou espetando fulana!...

Uma barbaridade! Até os meninos faziam feitiço, no Calango-Frito. O mestre dava muito coque, e batia de régua, também; Deolindinho, de dez anos, inventou a revolta – e êle era mesmo um gênio, porque o sistema foi original, peça por peça sòmente seu: “Cada um fecha os olhos e apanha uma fôlha no bamburral!” Pronto. “Agora, cada um verte água dentro da lata com as folhas!” Feito. “Agora, algum vai esconder a coisa debaixo da cama de Seu Professor!...”

E foi a lata ir para debaixo da cama, e o professor para cima da cama, e da lata, e das fôlhas, e do resto, muito doente. Quase morreu: só não o conseguiu porque, não tendo os garotos sabido escolher um veículo inodoro, o bizarro composto, ao fim de dia e meio, denunciou-se por si.

(...)”










Cordisburgo (MG) hoje está que é só festa!
Lá junto do Creador, está completando 102 anos o POETA-MOR, João Guimarães Rosa.
"Depois dele não apareceu mais ninguém." - como diria outro poeta brasileiro, mas poeta-cantor, Belchior.

Texto: fragmento do conto SÃO MARCOS (in Sagarana), aqui reproduzido na grafia própria do seu autor, como era (e é!) da vontade de João Guimarães Rosa.

Um comentário:

  1. Interessante como as lembranças estão vivas e você parece gostar de revivê-las. Como bom canceriano, sentimental.

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