“QUANDO AS SOMBRAS AMEAÇAM O CAMINHO, A LUZ É MAIS PRECIOSA E MAIS PURA."

(Espírito Emmanuel, in "Paulo e Estêvão", romance por ele ditado a Chico Xavier)

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sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Reminiscências de fubá

Ia ao Fórum de Sarandi pela manhã, e uma constatação me emocionou: o prédio de meu último emprego (1988), Germani Alimentos S.A. (depois Ceval, Santista Alimentos e Bünge) não está mais vazio!

Sempre que avisto aquele prédio, todo em cimento aparente, sua passarela elevada de concreto até o prédio, a portaria por onde entravam os automóveis e meu Fusca Godofredo, os vigilantes na guaritinha pintada com o símbolo da empresa – uma espiga de milho estilizada e em diagonal, entrecortando um “G” grande –, os taludes verdinhos, tudo rebobina em minha memória. Até ressoam os sons em meus ouvidos.

Ouço os telefones cremes - ainda de discos - do nosso televendas tocando sem parar sobre a mesa ovalada, em cerejeira, onde aconteciam as operações com fubás, pré-cozidos, gritz para cervejarias, canjiquinhas, creme de milho, e outros tantos subprodutos de milho.

Vejo abertos os cadernos universitários dos vendedores (o meu guardo com carinho; histórias de vida...); a amável Mai sempre nos intermediando nos embates com o financeiro; o Rieki e sua voz rouca; Sandro, voz bonita e grave, de locutor mesmo; o vozeiro sempre alto e as risadas abertas de Jackson, com dois telefones aos ouvidos, simultaneamente negociando com um cliente do Ceará e outro de Pernambuco, enquanto eu falava noutro aparelho com Valim, nosso representante em Volta Redonda. Era cansativo, mas prazeroso. O dia fluía... e as metas tirávamos de letra, fossem sob fretes CIF ou FOB!

Nosso departamento (o DEVEN) era todo cercado por vidros transparentes (aí nas fotos). Um local sério, e às vezes tenso quando próximo do final do mês, mas nunca ficava sisudo; não deixávamos! Lá aconteciam coisas hilariantes. Conto uma.

Tínhamos um colega vendedor, em verdade um arremedo de vendedor, boa praça, moreno claro e muito magro, rosto fino onde se destacavam seus olhos verdes que transmitiam uma inocência enorme. Era um coração de manteiga, e voz marcantemente anasalada, quase foinha. O sujeito era destaque mesmo quieto, calado!

De tão tímido, sequer conseguia se identificar ao telefone para o cliente que ele mesmo ligava. O fone parecia queimar-lhe as mãos. A venda não saía. E ele, com olhos apreensivos pra gente, suava como uma gazela à frente dum guepardo! E a gente via, mas nada fazia: a fruta ficar melhor se amadurecida sozinha, no pé!

Muitas vezes ficávamos com o telefone colado ao ouvido, fingindo um atendimento só para não sermos interrompidos na necessária observação, e aí podermos ouvir sarcasticamente o que ele falava ao telefone com "seu cliente".

Pobre rapaz! Toda fala dele para o tal cliente do telefonema ficava pela metade. Morria no início, nas primeiras sílabas ou até mesmo nas primeiras letras de algum produto. Parecia caminhão carregado de milho em carroceria mal fechada; ia perdendo tudo pela estrada:

- Boa tarde, aqui é o... Si..., Cuscumil... Saran... Sarandi. Sim senhor... Estamos c'uma promo... - Pura tortura ver a rosca sem fim daquele enrosco da pobre alma.

Só quando víamos que a coisa não ia dar em nada (...e que as metas seriam prejudicadas...), o socorríamos! E tudo se acomodava de novo. Porém, não sem antes rirmos um bocado de cada episódio...

Foi que, sobretudo por força de sua índole mansa, ser um jovem, pai de família, o tal esboço de vendedor, safou-se da fatal demissão a pedido de nossa equipe de vendas para a chefia; rumou para um serviço burocrático na empresa. Lá ficou pouco...

Como o ser humano é dinâmico, especialmente quando a água bate na região glútea, tempos depois me surpreendi: encontrei o rapaz sendo um ótimo vendedor do setor de atacados de eletrodomésticos na cidade. Depois disso, toda vez que o via trabalhando até duvidava daquelas cenas do passado dele. Nessas ocasiões, feito um apalermado, eu ria solitariamente.

Mas voltando à vaca fria do tal prédio, minha boa surpresa foi que, no mesmo local da Germani, em que antes só falávamos de metas, valores monetários, produção, vendas, exportações, e tudo girando em torno do vil metal que move esse mundão - mas que nos traz tanta agonia -, agora se cuida da educação sistemática de nosso povo humilde. Ali está implantado o CEBJA Centro Estadual de Educação Básica de Jovens e Adultos.

Fiquei feliz de verdade! Interrompeu-se o círculo de sucessivas aquisições do imóvel. Agora serve a um fim que reputo muito mais importante que dinheiro: a ALFABETIZAÇÃO, a disseminação do CONHECIMENTO, da CULTURA, do ABRIR d'olhos para a vida em favor dos menos assistidos, enfim, a chance d'uma dignidade perene para eles.

Afinal, penso cá comigo: mesmo com todo o dinheiro do mundo a gente sempre corre o risco de se niilificar a qualquer hora de novo, porque é o metal finito. Porém, um tesouro de conhecimentos ninguém nos rouba, NUNCA!


...essas as reminiscências de fubá de um ex-vendedor de televendas: eu!


Fonte: texto e fotografias by arquivo pessoal de José Roberto Balestra - post de 20.12.2006, atualizado, publicado em meu primeiro blog/UOL, "LA BALESTRA".