“QUANDO AS SOMBRAS AMEAÇAM O CAMINHO, A LUZ É MAIS PRECIOSA E MAIS PURA."

(Espírito Emmanuel, in "Paulo e Estêvão", romance por ele ditado a Chico Xavier)

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sábado, 17 de maio de 2014

... INDA ME LEMBRO MUITO BEM


... inda me lembro bem. Do timbre de tua voz cantando nas manhãs dos sábados que o tempo levou embora; era lá em casa nossa antiga, de madeira, aquela. E quão aconchegante a gente achava que ela era. Apesar da despensa sem forro e janela taramelada, a cozinha avarandava arejadamente ao fundo treliçado. Nos dois quartos e na sala pequena o assoalhado reluzia a cera que você de joelhos lhes punha e polia com alegria, isto quando a mim não pedia pra dominar o fundido e pesado escovão. As três peças verde-maçã do seu sofá em courvin deram muita vida às conversas naquela salinha.  

... inda me lembro bem. Na copa sua mesa quadrada envernizada, sempre com um pequeno vaso florido enfeitando-a. Lá, a cristaleira de fundo espelhado dobrava copos, compoteiras e peças várias de lembranças dos idos tempos teus, e sustentava o rádio que te alegrava, e a mim também, trazendo o mundo inteiro pr’aquele pequeno universo nosso, mas imenso de amor.

... inda me lembro bem. Teu jeito leve e delicado de caminhar, como se sobre nuvens teus pés de anjo sandaliado a levassem pelas calçadas, atravessando ruas, quadras, dobrando esquinas, indo às compras com rol simples do essencial. E mesmo assim nada nos faltava. Eram tempos fartos.

... inda me lembro bem, em tempos mais recentes; o teu sorriso instantâneo quando me via chegando à sua casa, num átimo ele abria teus braços em asas pra me envolver. Tuas gargalhadas ao final daquelas coisas pilhéricas que a gente de quando em vez se falava e contava em sigilo, que era pra ninguém ver. Ríamos de até chorar. À luz dos meus olhos sentimentos puros jorravam do teu coração por todos nós.

... depois tive de aprender; o tempo d’antes que juntava a gente naquelas alegrias ainda de porvires, é o mesmo que corrói o aço dos cascos dos navios e encarquilha a pele da gente, enquanto o sol nascente viaja ao seu poente todo dia, pondo na vida tão bela magia da passagem da gente durante esta eterna Viagem por aqui e para aqui.

A nossa antiga casa de madeira? Ah... Dia desses fui revê-la; há tempos não existe mais. No vago do terreno murado me surpreendi perguntando sozinho ¿onde terão ido e o que terá sido daquelas tábuas e telhas que nos protegeram e testemunharam anos e anos de nossas vidas? Onde estarão no Universo os latidos do Pingo, da Tutuca, os gritos de “truco!” que papai e amigos da casa lá tanto deram? A casa de alvenaria dos fundos ainda resiste, porém está muito mudada; nem lembra mais que um dia ali existiu uma movimentada padaria, que pela manhã acordava repleta de delícias que papai e os padeiros faziam.

É. Tudo isso que agora lhe digo me parece tão real e recente, como se não existisse um antigamente na vida da gente. Mas o que aqui lhe digo não nasce num coração em tristeza nem de nostalgias, mas da certeza de que a alegria mora eterna em cada pedra do castelo das nossas belas lembranças.  

Hoje, Mãe, está completando oito anos que naquela quarta-feira anoitecida teu espírito se libertava da matéria que o Divino Pai Eterno lhe emprestara por quase oito décadas. A saudade de Você ainda me é imensa, tal qual o orgulho de ter vindo de Você e a alegria da divina permissão de haver podido estar ao teu lado por cinquenta e três anos. A distância nunca tivera domínio entre nós, Você sabe do que falo, e muito menos o tem agora que estamos em planos diferentes; tenho percebido que teu espírito em paz me vem em sonhos. Afinal, como diz a canção, se “Nada nem ninguém engana o coração de mãe.”, ao filho que deste coração veio nunca cessará a gratidão.    

Lembrando-me o quão Você gostava de ler, guardar e escrever poesias, Mãe, hoje lhe dedico os versos a seguir, que não são meus, são da alma do poeta Gibran Khalil Gibran.Porém, muito dizem por mim neste instante, porque sou sim flecha de Teu arco!

Com tuas bênçãos me despeço. Zuza 


"Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem.


Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
pois suas almas moram na mansão do amanhã,
que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.



Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,
porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois os Arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O Arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força
para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do Arqueiro seja vossa alegria
pois assim como Ele ama a Flecha que voa,
ama também o Arco que permanece imóvel." 


Imagem: by web