“QUANDO AS SOMBRAS AMEAÇAM O CAMINHO, A LUZ É MAIS PRECIOSA E MAIS PURA."

(Espírito Emmanuel, in "Paulo e Estêvão", romance por ele ditado a Chico Xavier)

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domingo, 3 de junho de 2012

COMO OS CÃES...



COMO OS CÃES

by Bob*


Não é possível, senhora! - dizia o comendador à esposa - Não é possível!
— Mas se eu lhe digo que é certo, seu Lucas! - insistia a D. Teresa - pois é mesmo a nossa filha quem m’o disse!
O comendador Lucas, atônito, coçou a cabeça:
— Oh! senhora! Mas isso é grave! Então o rapaz já está casado com a menina há dois meses e ainda...
— Ainda nada, seu Lucas, absolutamente nada!
Valha-me Deus! Enfim, eu bem sei que o rapaz, antes de casar, nunca tinha andado pelo mundo... sempre agarrado às saias da tia... sempre metido pelas igrejas.
— Mas - que diabo! - como é que, em dois meses, ainda o instinto não lhe deu aquilo que a experiência já lhe devia ter dado?! Enfim, vou eu mesmo falar-lhe! Valha-me Deus!

E, nessa mesma noite, o comendador, depois do jantar, chamou à fala o genro, um moço louro e bonito, dono de uns olhos cândidos...
— Então, como é isso, rapaz? tu não gostas de tua mulher?
— Como não gosto? Mas gosto muito!
Tá tá tá... Vem cá! Que é que tu lhe tens feito, nestes dous meses?
— Mas... tenho feito tudo!, converso com ela, beijo-a, trago-lhe frutas, levo-a ao teatro... tenho feito tudo...
Não é isto, rapaz, não é somente isso! O casamento é mais que alguma cousa! Tu tens de fazer o que todos fazem, caramba!
— Mas... não entendo...
Ó homem! Tu precisas... ser marido de tua mulher!
— ... Não compreendo...
— Valha-me Deus! Tu não vês como os cães fazem na rua?
— Como os cães? ... Como os cães?... Sim... Parece-me que sim...
— Pois, então? Faze como os cães, pedaço de moleirão, faze como os cães! E não te digo mais nada! Faze como os cães...!
 E, ao deitar-se, o comendador disse à esposa, com um risinho brejeiro:
— Parece que o rapaz compreendeu, senhora! E agora é que a menina vai ver o bom e o bonito...

*****

Uma semana depois, a Rosinha, muito corada, está diante do pai, que a interroga. O comendador tem os olhos esbugalhados de espanto:
— Que, rapariga? Pois então, o mesmo?
O mesmo... Ah! é verdade! Houve uma coisa que até me espantou... Ia-me esquecendo... houve uma cousa... esquisita...
Que foi? Que foi? - exclamou o comendador - Que foi?... eu logo vi que devia haver alguma cousa!
— Foi uma cousa esquisita... Ele me pediu que ficasse... assim... assim... como um bicho... e...
E depois? E depois?
E depois... depois... lambeu-me toda... e...
— ...E?
— ... e dormiu!


*BOB, pseudônimo do poeta OLAVO BILAC (Rio de Janeiro, 16.12.1865 / 28.12.1918), em CONTOS PARA VELHOS.