ROMANCE D' A PEDRA DO REINO
e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta
ARIANO SUASSUNA
“(...)
* FOLHETO LXXIII
Cavalhadas de São João na Judéia
(...)
- Dom Pedro
Dinis Quaderna, já notei, duas vezes, que, na sua religião, o Diabo faz parte
da Santíssima Trindade e o Espírito Santo é sempre representado por um Gavião.
Por que é isso? - perguntou o Corregedor.
- Bem, Excelência, tudo isso aparece aí, primeiro, porque é verdade, depois por causa da influência de
Samuel, de Clemente e, de certa forma, do Padre Daniel. O Diabo é um revoltado
do Partido Negro-Vermelho, e portanto precisa ser reabilitado e integrado na
Divindade. Depois, no meu Catolicismo,
os bichos que servem de insígnia ao Divino são todos rigorosamente brasileiros
e sertanejos. Por exemplo: na minha linguagem, nunca entram leões ou águias,
bichos estrangeiros, mas sim Onças e Gaviões. Ora, além dessa fidelidade brasileira
e sertaneja, sempre achei essa história de representar o Espírito Santo por uma
pombinha, meio afrescalhada. Fique logo claro que o Espírito Santo não tem nada
com isso: a culpa é de quem inventou! Essa história da "pombinha" não
tem nada de Profecia-Sertaneja, é frescura desses Profetas aveadados do
estrangeiro! É por isso que, no meu Catolicismo Sertanejo, o Espírito Santo
é um Gavião, bicho macho e sangrador, e não essa pombinha que sempre me pareceu
meio suspeita. Segundo nossas crenças, Senhor Corregedor, foi a Onça Malhada do
Sol Divino que nos fez, a mim e ao Mundo, segundo sua própria imagem. Assim,
não admira que o jaguar divino fizesse em relação ao Mundo o mesmo que eu, como
Rei, faço com o Sertão.
(...)”


ARIANO VILAR SUASSUNA
nasceu a 16.06.1927, em Nossa Senhora das Neves (PB),
e morreu hoje, 23.07.2014, às 17h15m, no Recife (PE)
*Excerto da obra "Romance d' A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta", iniciado por ARIANO VILAR SUASSUNA em 19.07.1958 e terminado em 09.10.1970.
Imagem 1: capa da edição da Edit. Círculo do Livro S.A., feita sob cortesia editorial da Livraria José Olympio Editora S.A. - São Paulo, 1971, p. 481
Imagens 2, 3 e 4: by http://especiais.ne10.uol.com.br/imortal/