“QUANDO AS SOMBRAS AMEAÇAM O CAMINHO, A LUZ É MAIS PRECIOSA E MAIS PURA."

(Espírito Emmanuel, in "Paulo e Estêvão", romance por ele ditado a Chico Xavier)

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sábado, 15 de outubro de 2011

O PROGRESSO ANCORA EM PIPEIRAS DE SANTANA


     Pela cara mal lavrada do sujeito, cachimbo no canto da boca e pasta debaixo do braço viram logo que era cobrador do fisco. Reberaldo Carijó saiu em pé de paina e foi botar o trombone na rua:


– Tem cobrador de impostos na praça. Vi quando retirou da maleta um ferrinho contaminado de dentes, coisa de lascar a popa do povinho que não puder arcar com a responsabilidade das pagas. É bom avisar o Major Nequinho Rosa. Ninguém para lidar com o povo do governo como Nequinho Rosa.

Em pronto momento, por um moleque de recados, Nequinho foi avisado. Pelo que já desceu dos confortos de sua invernada soltando azeites. Mais armado do que ele nem uma guerra. Hospedou sua vasta pessoa no Hotel das Famílias. E foi assim, deitado na cama, de botas e esporas, que mandou chamar o cobrador de impostos:

– Quero ter um particular com esse sujeitinho.

Meio murcho, adernado sobre a pasta negra, chegou para ver o Major Nequinho Rosa refestelado na cama e de charuto na boca. Quis tomar cadeira no que foi impedido pelo dedão de palmeira do major:

– Em minhas presenças ninguém senta o rabo para falar. É de pé, sujeitinho! De pé!

Intimou ele que o homenzinho abrisse a pasta de modo a desembuchar de sua entranha o tal ferrinho de marcar gente e mais o bolão de multas recaídas no cangote do educado povo de Pipeiras de Santana:

– Abra essa desgraça, esse ninho de lacraia.

O sujeitinho abriu. E da pasta preta, em lugar de arrogantes papéis do governo e ferrinhos de carimbar popa de cristão, saiu um derrame de giletes. O homem era caixeiro-viajante.

Os aparelhos de fazer barba davam entrada, pela primeira vez, na brava e progressista cidade de Pipeiras de Santana...


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Fonte: conto by JOSÉ CÂNDIDO DE CARVALHO (Campos dos Goitacazes, 05.08.1914 – Niterói, lº.08.1989), extraída do seu livro “Um ninho de mafagafes cheio de mafagafinhos” – Livraria José Olympio Editora – Rio – 1972, pp. 48-9  
Escritor contista e romancista, advogado e jornalista, sua obra mais conhecida é o romance “O Coronel e o Lobisomem” (1965), vencedor dos Prêmios: Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro; Coelho Neto, da Academia Brasileira de Letras; Luisa Cláudio de Sousa, do Pen Club do Brasil.

3 comentários:

  1. Um belo conto que prova que olhar somente as aparências produz mafagafes!! ;) Beijus,

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  2. Olá Balestra. Gostei do conto. Obrigada pelas palavras deixadas no Arca quanto a minha filha. Grande abraço.

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  3. Pois como se diz em Portugal "As aparências iludem.
    Um abraço e bom fim de semana

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