“QUANDO AS SOMBRAS AMEAÇAM O CAMINHO, A LUZ É MAIS PRECIOSA E MAIS PURA."

(Espírito Emmanuel, in "Paulo e Estêvão", romance por ele ditado a Chico Xavier)

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sábado, 3 de outubro de 2009

Viva! InExéquias!



Fim d’semana. O sábado havia tomado pós grafitóis. Mais que; grisento era, sem sol saindo, s’negand’a isso. Baldara seus raios, sabe-se lá pra onde. Na lavoura girassóis sendo soldados derrotados, cabisbaixos, olhand’os próprios pés. Nem os verdes carpíveis à volta viam; sem graça. Calados dos belos pios da sina deles se descometiam corruíras, fogo-pagou e pardais. Bem-te-vi via, e o céu azul acima disso tudo ia.

Atônito estava o pessoal. Só não, mais; pr’ocupado c’um numsei cumquê que bem sabiam. Dentro d’casa o clima expectava como se notícia grave estivesse ou viesse. E era verdade, viria mesmo! Todas sabiam disso, prévia e silenciosamente. Estava claro, ou melhor, estava ficava pret'a coisa!

Tinham uma sensação estranha, d’chão que sai de sob’os pés, todavia não rezingavam. Quietas se faziam em suas posições tão próprias. Era cogente! Aliás, nem adiantava falar mesmo: não havia com’evitar o que viria. As mais calmas passeavam olhos pelo teto sem forro; buscavam nuvens pra encavalar agonias. As mais agitadas... ah, essas roíam unhas, mordiscavam os lábios, engoliam a seco o momento. Ninguém nada dizia nada. Nem um sussurro se permitia. Militarmente!

Claro que o tumular da calad’incomodava. Quando alguém delas intentava balbuciar alguma expressão, logo o murmúrio se fazia trovão e também amofinava; um orquestrado olhar de cara-feia por todas nes’tante era o sinal à ousada da vez para o retorno à mudez que se lhes derramava soberana, imperial! Não adiantava espernear, não havia com’evitar. E viria mesmo! Todas tinham consciência disso.

Folhas caindo soltas ao chão tinham idêntica acepção para todas elas que isso viam, e era o único e fatal sinal de que o d’mal e pior porviria: muitas já se esfarelavam pelo maduroso da inclemência do tempo. Mas algumas delas se mantinham agarradas, a unhas e dentes, fugindo à submissão do inevitável fenecimento. O término s’aproximava cada vez mais. Pensavam, sabiam, sofriam, mas resistiam!

O pior mor maior: nunca mais voltariam a ser o qu’eram. Jamais veriam de novo as quantas alegrias até ali presenciadas, as caras d’entusiasmos assistidas, as quantas surpresas outrora, e até alguns desapontamentos entremeados. Entretanto, inflexível como fogo em carvão e papel er’a consumação; sabiam! Mas se mantinham silenciosas. Não havia outro jeito. Gritar? D’nad’adiantaria. Seria só s’expor truão, risivelmente. Mais que; um ato de covardia, criam ness’ora.

Da morte ninguém escapa mesmo, pessoal! E nós todas aqui já estamos com nosso destino traçado. Não vai adiantar tentar correr. É impossível fugir! – gritou a primeira, com postura de general tirano em alto d’escadaria, pern’abertas, à frente de batalhão dand’ordem de ordinário-marche!

De fato! Era desmarchar ou... morrer; pensavam a toda hora! Marchar não dava; amargura incessante essa. Porém, mesmo diante de tanta certeza do sucumbimento inda lhes pairava uma tênue névoa d’esperança, d’vida, de recomposição, de renegociação. Esperavam para ver no que dava, e como se daria. Era o que bastava e se podia.

D’inopino o baque da porta golpeando forte o batente ribombou cas’adentro.

– Alguém chegando!... ¿Quem será? ¿Revogaram? Ai-meu-deus, é agora!! – assombravam-se umas às outras.

Foi quando a filha chegou, e de plano lhes deu voz serena:

– Fiquem calmas... Já conseguimos dar solução,... pr’essa agonia de vocês todas. Não haverá exéquias por aqui, porque ninguém vai morrer não! Aqui e hoje não!!!

Bendit’aquelas doces afirmações tão esperadas; eram notas musicais fugindo de partituras ao ar. Breve alegria principiou se derramar sobr’elas todas ali.


Mas como em certas graves ocasiões da vida e em todas as partes do mundo sempre há um pirrônico para dar o ar d’esgraça em momento que o navio está pegando fogo em alto mar ou turbula o avião, logo, com elas não diversou: uma lá do fundo, vociferou como radiola desembestada, em rotações além da conta:

– ¿Mas como? Não tem jeito! Está tudo s’esfarelando! Todas acabaremos sim! Ess’aí, bonitinha e com voz docinha, só quer nos engodar, reduzir nossa dor perto da morte, mas depois..., na hora agá... ela vai ficar aí num cantinho, olhando, olhando, sem poder fazer nada, chorando nossa partida pro inexorável beleléu..

Eis que aparteou rispidamente uma outra delas:

– Cal’a boca! Você nem sequer esperou ela terminar de dizer o que estava começando...!?

– Sem discussão, pessoal, por favor! Deixem eu falar. – cortou a dissensão a filha. E prosseguiu:




– É o seguinte: papai conseguiu encontrar uma pessoa muito habilidosa, uma senhora de mãos de ouro, doutorada em restauros. Ela já viu a fotografia da situação de vocês aí, e nos afirmou que tudo tem salvação... Já viu coisa muuuito pior! Nenhuma página ou letrinh'irmã de vocês se perderá. O velho dicionário Aurelião não mais será mandado para a reciclagem. Ela o ressuscitará página por página, sem perder nenhuma de vocês, nenhuma letrinha, repito, garantiu a mim e ao Papai...

Num átimo o semblante delas se descarregou orquestral, surpresas pela revida:

– Uhhh!.. Viva! InExéquias! E algazarraram elas um riso alto na sala da casa...

Assim a alegria voltou ao coração de todas as letras do velho dicionário Aurelião; escaparam das lâminas implacáveis da fragmentadora, dos banhos ácidos, solventes e detergentes, e das águas ferventes da reciclagem ...



Comentário d’A BALESTRA:


- tenho um Aurélio (o da foto aí acima) antigo. Certo sábado fui fazer uma limpeza na biblioteca de casa, e me vi tomado por uma grande indecisão frente ao velho amigo dicionário, todo se esfarelando de tanto uso. Pensei: - ¿O que eu faço com ele? ¿Jogo fora? ¿Coloco pra reciclagem?... Meu amor pelas letras gritou mais fundo. Explico.

É que esse Aurelião – antes do seu filho eletrônico chegar – por tantos anos acompanhou-me Brasil afora. Esteou-me no curso de Direito, nas crônicas, contos, poemas, sonetos, letras de músicas, e noutros escritos ou garatujas que já fiz. Foi companheiro por noites e madrugad’adentro, em horas difíceis da vida, as d’inspiração em profusão ou as de sua total ausência, e até as das fugas disso tudo.


Então decidi: ficará guardado... Assim o manterei na biblioteca até quando puder.


No meu peito o respeito... pelo idoso das letras! Meu Aurelião! Nada de enterros ou funerais de letras; inexéquias, isso sim!

Ah, já me falaram muito dum tal de Houaiss, mas pensei: - trocar pra quê, uai!¿ Arrumei outro Aurelião, mais jovem... Mas o velho fica!

Foto: by arquivo pessoal de José Roberto Balestra

8 comentários:

  1. OLÁ QUERIDO ROBERTO, BELÍSSIMA CRÓNICA SOBRE
    "TEU IDOSO DAS LETRAS! TEU AURELIÃO"... ESTOU DE ACORDO CONTIGO, NADA DE EXÉQUIAS... FICARÁ LINDO, NA PRATELEIRA ARRUMADO...!
    TERMINOU SUA FUNÇÃO... MAS, SERÁ SEMPRE O VELHO COMPANHEIRO FIEL, QUE TE ACOMPANHOU, NAS TUAS JORNADAS, PELA VIDA!...
    UM BELO FIM DE SEMANA... ABRAÇOS DE AMIZADE E CARINHO,
    FERNANDINHA

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  2. Esse é dos bons, tenho um safra 1978 aqui em casa.

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  3. Desejo uma ótima semana para o blogamigo...Abraços!!!

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  4. Esse foi nosso parceiro por muitos anos...!
    ]Amigo aguardo sua resposta!
    Forte abraço
    Betho

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  5. Querido, muito obrigada pela visita no blog!
    Sinta-se convidado à voltar novamente :)

    Beeijos!

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  6. Uma bela semana pra ti amigo poeta,,,,forte e fraterno abraço....

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  7. Boa com panhia, o dicionário, nao é mesmo Roberto?
    Nao sei o que te aconteceu que nem emails vc responde.Uma pena, Amigo, pois isso machuca e muito quando temos e sentimos uam verdadeira amizade por alguém.
    dias felizes

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  8. Ah amigo! Estou aqui tentando escrever algo que fique á altura do seu lindo post, tão gentil e afetuoso, lá no meu humilde e ignoto cantinho.
    quero ler mais coisas suas, muitas e muitas. Esse texto aqui, In Exequias, vou ficar devendo um comentário mais à altura do seu talento. eu fico aflita lendo texto à la Guimarães Rosa.conheço a obra de Guimarães, mas nem tudo que ele faz é de fácil leitura. Esse seu texto lembra muito Guimarães. Vc deliberadamente tornou a leitura difícil. Sei que vc quis primar pelo diferente, pelo exótico. Eu sou mais descomplicada. Há pouco tempo li Jangada de Pedra de Saramago, um livro também de leitura díficil, em razão da pontuação escolhida por ele, fora dos padrões. confesso que as vezes fiquei aflita com o número de apóstrofos que vc usou, principalmente quando vc subtraiu uma vogal da penúltima palavra e a palavra que vinha a seguir começava por uma consoante, vc há de convir comigo que isso dificulta, ao invés de facilitar. em poesia os poetas clássicos faziam uso desse recurso, mas eles tinham um objeto: fazer com a escansão do verso fosse perfeita.Mas em se tratando de prosa, e nao de poesia, e além de tudo quando não há o encontro de duas vogais em palavras seguidas, acho uma coisa complicada usar e abusar desse recurso.Deixou seu texto mais complexo de ser lido, concorda?Veja o caso do colega Dan, aqui em cima: ele usou apóstrofo para economizar um acento agudo no A, mas gastou um apóstrofo...e isso nem é uma poesia, onde a contagem de sílaba é necessário. Outra coisa que nao entendi é pq você usa aquele sinalzinho de interrogação no início das palavras, tipo uma interrogação ao contrário. Sei que na língua espanhola isso é usado, mas pq em português?
    Desculpe, eu fiz esses comentários pq quero ler sempre seus textos, e nao sei fingir. Entendo que vc quer criar um estilo, mas não sei se será profícuo. Até mesmo Saramago perde leitores, em razão das invenções estéticas dele.
    em todo caso, se vc tiver paciência de ler um conto meu, ou crônica, verá que tenho um estilo bem simples, escrevo na linha de Dalton Trevisan, Veríssimo, Raquel de Queiroz, um estilo urbano e contemporâneo. Se vc pretende seguir esse estilo, apenas atente um pouco para o uso de muitos apóstrofos. Isso pode tornar o texto pesado.
    Gostei das suas metáforas, muito ricas, e da possível invenção de alguns vocábulos, ou uso de vocábulos pouco comuns em outros autores.O desfecho também foi legal, pela surpresa reservada ao leitor.

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