Tinha
quase nove anos. Estava morando na Rua Souza Naves, quas’esquina com a Salgado
Filho, em Paranavaí. Em
frente ao prédio que hoje é o “Positivo”, e que outrora fora o meu memorável
Externato Nísia Floresta das primeiras letras, depois Mini-Ginásio Luther King.
Para
ali chegara vindo da Rua Pará, também quas’esquina com a Manoel Ribas, meu
segundo endereço – cuja casa meu pai Sontonho vendera para um dos Del Grossi;
creio que para o Alcides – já que meu primeiro endereço, o de nascimento, fora
na Avenida Paraná, na então Padaria Santa Terezinha fundada por meus pais. Era em
frente ao histórico “Ponto Azul”, que tantos pioneiros recebera e outros tantos
vira partir nas cansadas jardineiras, desiludidos. O Ponto Azul ficava na
confluência da Manoel Ribas com a Guaporé e a Paraná.
Um
domingo. Era. Perto das três da tarde os bancos de areão formados pelas enxurradas
que desciam pela Rio Grande do Norte e paravam, ora no cruzamento com a Souza
Naves, ora no da Paraíba, não estavam pra brincadeira. Além de dar pra esquentar
marmita, também encalhavam as rodas de qualquer caminhãozinho Chevrolet Brasil e
d’outros automóveis, mesmo com motoristas experientes. Se fazia implacável com as
solas de pés descalços; belas bolhas d’água resultavam.
Até
em chão duro o arenito não se fazia diferente àquela hora, exceto pro
marimbondo-cavalo que nem assim deixava escapar uma aranhazinha vacilante qualquer
andando em datas vazias.
Não
se falava em sandálias japonesas; a gente usava mesmo eram botinas, das feitas à
mão e a capricho por meu vizinho seo Zé Sapateiro, em sua “Selaria e Sapataria
São José”, ali ao lado do extinto Palace Hotel que por muitos anos foi “casa”
do Maestro Carlos Cagnani, meu primeiro professor de teoria musical.
Ainda
ouço-lhe a voz forte e o eterno sotaque italiano, pausado, numa sala de aulas do
Colégio Estadual, levantando o dedo indicador:
–
A pauta tem ciinco linhas e... cuátro espaços!!
Na
inocência d’um moleque de quase nove anos daqueles tempos, como muitos outros da
cidade, eu soubera que naquela tarde não haveria matinê no Cine Paranavaí; no centro
da cidade, num ponto mais alto da mesma Rua Manoel Ribas, lá pros lados da casa
onde eu morara na Rua Pará, haveria uma festa. Estariam lá as mais altas
autoridades da cidade; o prefeito Doutor Messias, o juiz Sinval Reis, e o frei
carmelita Ulrico Goevert, que foi quem me batizou e crismou.
Fui
pra lá também! Pequeno em meio à multidão já àquela hora à sombra do “predião”
cheio de losangos coloridos na fachada, de vez em quando eu ficava na ponta dos
pés pra ver o que estava acontecendo. Queria ver e ouvir a bênção do Frei
Ulrico, o prefeito falar...
Aquela
era a tarde do domingo, 27 de janeiro de 1961, e a multidãozinha fazia silêncio
razoável. Frei Ulrico abençoou o “predião” bonito e, em seguida, o prefeito
Doutor Messias cortou sua fita inaugural, fazendo brotar palmas efusivas da
multidãozinha que, como eu, assistia inocente àquele momento paranavaiense, sequer
imaginando-o histórico: estava
inaugurado o CINE OURO BRANCO!
CINE OURO BRANCO,
que no dia de hoje faria 51 anos, é uma cena inesquecível do filme de minha
vida. Guardo-a protegida na velha lata das belas recordações e dos encantos das
tantas alegrias juvenis que naquele espaço vivi até 1973, ano em que o roteiro da
vida soprou-me para outras sequências em outros rincões do país.
Por
isso, parabéns “meu velho amigo” Cine Ouro Branco! Seu filme ainda está em cartaz...comigo!
Arrancaram
as negras pastilhas que lhe adornavam as colunas de entrada, os losangos
coloridos da fachada alta, os lambris envernizados, o carpete vermelho da
escadaria, consumiram com as poltronas macias de sua sala de projeção, suas
luminárias coloridas que mais me lembravam grandes sorvetes de limão, de
groselha e de hortelã.

Imagem: by acervo pessoal de osvaldo del grossi